Seja produzindo ou capacitando quem produz, elas são fundamentais para o desenvolvimento do agro
Álvaro Müller
“Nasci em 1971 e minha mãe sofreu muito para que eu me tornasse a mulher que sou hoje. A roça era a única atividade que meus pais tinham e tudo foi roubado, por conta da fome. Minha mãe não tinha o que me dar para comer. Essa história de sofrimento, mas também de amor ao campo me fez permanecer aqui. O campo, para mim, é riqueza”.
Foi assim, a partir da própria trajetória de vida, que Maria Quitéria Pereira Matias, 49 anos, decidiu incentivar outras mulheres da zona rural de Igreja Nova, leste de Alagoas, a assumir o protagonismo da própria história. Hoje, após mais de duas décadas de dedicação ao associativismo, Quitéria coordena a Associação de Mulheres Agricultoras, Quilombolas e Pescadoras do Povoado Sapé, um projeto de empoderamento feminino e fortalecimento das raízes culturais da comunidade.
“Temos 38 mulheres que produzem bolo de macaxeira e de milho, beiju, malcasado, tapioca e sequilhos que são vendidos na feira ou entregues ao município, pelo PAA (Programa de Aquisição de Alimentos). Tudo o que se planta no quintal, ganha receitas próprias da comunidade, com a nossa tradição. Nós nascemos com um objetivo muito simples, que foi trabalhar os produtos que temos na comunidade, extraídos da roça, mas as mulheres não sabiam o valor que esses produtos tinham dentro da vida, da casa e da família delas”, explica Quitéria.
Tudo é feito dentro das cozinhas das residências e em seis casas de farinha utilizadas para as demandas maiores. Além dos alimentos, as mulheres também fabricam artesanato e artigos para a pesca, como o jereré. Tecem, no dia a dia, histórias de crescimento pessoal e profissional, de contribuições individuais e coletivas para o desenvolvimento socioeconômico da comunidade.
Segundo Maria Quitéria o curso de Associativismo promovido pelo Senar Alagoas no Povoado Sapé contribuiu significativamente para a consolidação do projeto. “Fomos capacitadas pela professora Rita Gouvea e pudemos aprender muito, isso foi de fundamental importância no desenvolvimento, na organização da associação e de cada uma das meninas. Hoje, além do nosso perfil no Instagram (@gm.sape), muitas das nossas artesãs comercializam produtos nos seus perfis próprios, em boa escala”, observa a líder comunitária.
E o projeto segue crescendo. A associação acaba de ganhar uma nova sede, o espaço de uma antiga escola municipal que foi cedido pela prefeitura. A estrutura ainda precisa passar por reformas, mas já abriga sonhos imensuráveis. “Eu creio e vou lutar, junto com as minhas companheiras, para que este espaço se transforme numa grande fonte de trabalho não só para essas 38 mulheres, mas para muito mais. Este espaço será apenas um dos que a gente vai conquistar, porque trabalho, força de vontade, energia, persistência nós temos”, vislumbra Quitéria.
À medida que os sonhos vão se concretizando, as mulheres do Povoado Sapé se valorizam e, sobretudo, mostram a sua importância para a comunidade em exemplos aparentemente simples do cotidiano. Recentemente, Samara de Andrade, 29 anos, recebeu em casa, por meio do Programa Criança Feliz, do Governo de Alagoas, um dos bolos de milho que ela mesma produziu e que retornou para alimentar os seus filhos. “Foi muito importante ser reconhecida como mãe, produtora, como família”, resume.
“Isso fez toda a diferença na vida dela e na da gente, porque é o potencial da mãe. É a mãe mostrando para o filho que ela pode tudo, sozinha não, mas unida com outras mulheres. É nisso que a gente acredita e é isso que a gente quer mostrar para o mundo”, afirma Maria Quitéria, com os olhos marejados.
Irmãs do agro
A importância da mulher para o desenvolvimento do agro não está apenas em quem produz, mas também em quem se dedica à missão de capacitar as comunidades rurais. Somente na família Salvador, há três bons exemplos. As irmãs Edivânia, 39, Tatiana e Taciana, gêmeas de 37 anos se apaixonaram pela área rural ainda na infância, no sítio do avô Pedro Carlos, na cidade de Satuba. Hoje, Edivânia e Tatiana são técnicas de campo do Senar Alagoas, pelo Programa Agronordeste, nas cadeias produtivas da avicultura e horticultura, respectivamente. Já Taciana atua pela Emater/AL.
Zootecnista e mestre em Produção Animal, Edivânia Salvador afirma que a mulher tem buscado novos conhecimentos, se especializado cada vez mais e ganhado espaço no agronegócio, inclusive, ocupando cargos que antes eram destinados somente aos homens. “Hoje o preconceito ainda pode existir, mas é muito remoto, pois a capacidade profissional se torna mais relevante do que o próprio gênero. Mas ainda se tem buscado igualdade, homens e mulheres capacitados para entrar no mercado de trabalho e competir por igual, independentemente do cargo que pretendam conquistar, até os de mais alto escalão”, comenta.
Tatiana e Taciana Salvador são engenheiras agrônomas. Para Tatiana, a representatividade da mulher no campo tem se tornado cada vez mais forte. “Na maioria das propriedades rurais, a presença das mulheres é bastante expressiva nas atividades diárias da agricultura. A participação da figura feminina é indispensável para a manutenção das famílias na zona rural e, apesar das dificuldades e preconceitos ainda existentes, elas se mostram firmes em decisões, conseguem expressar opiniões e ganhar espaço na sociedade. Mulheres do campo são a expressão de força e determinação. Apesar da desigualdade, conquistam reconhecimento e autonomia no espaço em que vivem”, diz.
Já Taciana ressalta que a missão de capacitar outras mulheres também significa lutar para que elas sejam reconhecidas dentro e fora do ciclo familiar. “As mulheres do campo têm uma força surpreendente e inimaginável. Poder auxiliá-las e orientá-las, mostrando o seu potencial na economia da sua propriedade e a importância no fortalecimento da sua produção, é um trabalho diário e gratificante”, avalia.